
Schröder e a insuportável leveza de ser Maçom nos tempos de tédio litúrgico.
Friedrich Ulrich Ludwig Schröder (1744 – 1816). Nome que deve ser dito com a solenidade de quem invoca não apenas um pioneiro do teatro alemão, mas um autor de rituais, um arquitecto de simbolismos, um reformador em tempos de repetição. De acordo com o Brockhaus de 1973 – sim, ainda há quem consulte enciclopédias – Schröder foi “o primeiro grande actor alemão que se esforçou para passar do pathos da declamação à naturalidade na apresentação e nos gestos”. No teatro, ele fugiu do cliché; na Maçonaria, do misticismo vulgar.
E, portanto, não há como escapar de Schröder. Com ele recomeça o começo, porque é nele que se localiza o renascimento do ponto de partida histórico da nossa prática simbólica. Por ele internalizamos um consenso, não qualquer consenso, mas o único que permite comunicação entre diferentes sistemas de ensino ritualísticos (o que, no Brasil, denominamos “rito”). A lição de Schröder ainda é a mesma: a relevância não é datada. Por isso, como quem sobe ao andaime de uma obra inacabada, eu convido: suba comigo com Schröder.
Voltemos. O ponto de partida schröderiano foi uma reinterpretação da arquitectura simbólica: construir espaços e tempos com sentido. Nada de castelos no ar, nada de tronos em éteres. Schröder propõe um edifício. Mas não qualquer um: um edifício espiritual e vivo. É sobre isso que ele fala. Um lugar sustentado por pilares invisíveis, porque espiritualizados: sabedoria, força e beleza. Um edifício coberto apenas pelo céu. Não há telhado, nem abóbada, nem cúpula dourada. Há o céu. Nada além do céu.
E aqui, Schröder não manda pensar demais. Nada de metafísicas flutuantes. Não se trata de conjecturar, mas de trabalhar. A instrução está no tapete, e o tapete é uma ordem de trabalho. Cada símbolo grita silenciosamente: aja! Porque você me entende.
“Como a verdade é simples, o símbolo também deve ser simples”. Sim. Schröder ainda é o nosso princípio regulador. Nada de encher a sala da loja (no Brasil, “templo”) com espelhos esotéricos. O seu ritual tem pouco simbolismo (tal qual o rito húngaro denominado “São João”). Pouco e suficiente. Nada de abreviações arcanas, imagens religiosas ou alegorias ascensionais. Símbolos, apenas símbolos. Não soluções. Eles apontam caminhos, mas não te levam pela mão.
E o Maçom schröderiano? Um sujeito em busca. Autodescoberta. Significado. Um obreiro confiante de que o canteiro tem mestre de obras. Se triplo, grande ou omnipotente, é questão interpretativa. A Escritura? Um símbolo, seja qual for.
Schröder manda-nos construir algo que nunca veremos pronto. A cerimónia de inauguração é inalcançável. E tudo bem. O ritual deve conter aquilo que simbolicamente ajuda e adverte: um roteiro para a liberdade moral e o amor fraternal, do berço ao sepulcro.
A interpretação de Schröder sobre os “Velhos Maçons Livres”: membros de guildas. Uniões. Associações válidas por estatutos. E regularidade? Trabalhar segundo regras antigas. Quem não o faz, age contra toda a Maçonaria.
E hoje? Sim, hoje! Mais uma vez surgem os iluminados do relativismo que querem substituir a tradição inglesa pela francesa. Cruzar fronteiras simbólicas. Abolir regras. Propor moções que clamam por visitas a lojas irregulares. Schröder, de novo, nos adverte: mudanças só são justificáveis se melhores. Mostre que o que propõe é superior ao que recebe. Do contrário, cale-se. Repito: CALE-SE!
Nada de mistificações. Não há tempo para isso. A contribuição na loja é medida pela fidelidade ao consenso básico da arte real.
A voz de Schröder ecoa: “Abolimos os abusos e nos voltamos à educação humana”. Educação humana, essa síntese de intelecto e alma. Loja cheia de espírito e vida.
É isso que buscamos? Sim. E não. Porque falhamos. E muito.
A nossa boa causa, diz ele, foi projectada para moralidade interior, para promover o bem, para preservar a sabedoria e a virtude. Ao aceitar o malhete, diz Schröder, assumi o dever de compreender o que tantos tentaram, em vão.
Buscar o ser interior. Porque ali está tudo o que nos faz melhores. A Maçonaria, diz ele, é inimiga declarada dos preconceitos. Ensina tolerância verdadeira.
E o objectivo? Cumprir os grandes propósitos morais e físicos da Maçonaria. A bondade de coração é o alicerce. A caridade é o espírito. O amor sincero pelo bem é a argamassa.
Maçonaria, diz ele, deve fazer o que Estado e Igreja não fazem. Elevar a virtude. Vencer divisões. Ser um padrão moral silencioso, mas transformador.
Lessing, seu contemporâneo, teria gritado: “Muito a desejar!” E acrescentado um “mas…”
Schröder sabia que ideais não se implementam em estruturas de poder. Mas sabia que a Maçonaria podia continuar trabalhando silenciosamente para estabelecer esse padrão moral.
O nosso mundo ainda é um mundo de queixas. Aprender com Schröder hoje é viver de modo exemplar. Fazer o bem. Sem propaganda. Porque tudo começa nas pessoas e termina nas pessoas. Sem isso, não há grande narrativa que resista.
Produzir, já era difícil na sua época. “Uma conexão para fins morais é ridícula para as massas”, dizia. Então, nada de mercado, nada de bandeiras: somos os mocinhos! Não.
O padrão moral, para Schröder, exige sensibilidade. Idealismo. E amor. Que o espírito do amor envolva a Terra, diz ele, para que a humanidade seja uma cadeia de irmãos. Sim, uma utopia. Mas uma utopia necessária. Weizsäcker completaria:
“Comparada ao ideal, a realidade falha. Mas que triste realidade seria se deixasse de se orientar pelo ideal.”
Naquela época, Schröder denunciou o absurdo disseminado. Maçons dedicados a propósitos aventureiros. Seitas. Fragmentação. Devemos estar vigilantes. A associação de lojas sob um ritual comum, inspirado no modelo inglês, ainda é uma visão. Uma ficção? Talvez. Mas uma bela ficção.
No Brasil, onde a proliferação de potências e rituais beira o folclórico e a liturgia muitas vezes cede lugar a performances esotéricas de gosto duvidoso, a proposta de Schröder surge como contraponto luminoso (ao menos em tese!). Não é exagero dizer que Schröder realiza, na prática ritual e simbólica, o ideal de Maçonaria racional e ética sonhado por Lessing em Ernst e Falk. Schröder não nos oferece atalhos iniciáticos ou decorações místicas: oferece-nos régua e compasso. E sobretudo, método.
Aqui, cada qual segue o método que melhor lhe convém — mesmo que este seja um sincretismo entre ocultismo reciclado e instruções de auto-ajuda. E, ainda assim, o nível é o mesmo. O transferidor, idêntico. E a ideia simbólica de construção resiste. Schröder, ao insistir na simplicidade que ilumina, brinda-nos com um antídoto: contra a nescionaria e os seus apóstolos; contra o delírio simbólico; contra o ritual como teatro. Ele devolve-nos à Maçonaria possível — e por isso mesmo, verdadeira.
Neste canteiro, Schröder encontra todos. E lembra:
“A Maçonaria estende-se por toda a Terra, e todos os irmãos nela constituem apenas uma loja.”
Ele defende a Maçonaria mundana. A prática. A tangível. Aquela que se constrói no quotidiano. Nada mais. Nada menos. Ser humano. Buscar o que todos devem buscar. Reconhecer a dignidade que vem de dentro.
E o resto? Deixa-se à porta. Retoma-se ao sair, se ainda fizer sentido.
Isso ainda se aplica. E exige autocompreensão da arte real. Catecismo do coração e da alma. Devemos fazer tudo o que pudermos com Schröder contra os trabalhos de loja que afastam os sérios e entediam os jovens.
Conhecemos bem esse tipo de labor estéril. E vemos o quanto Schröder segue actual. Ele mesmo escreveu:
“Procurei com todas as minhas forças entreter os irmãos de modo educativo, para evitar o tédio e aumentar o prazer”.
Um lema para os palestrantes. E um desafio para todos nós. No espírito schröderiano, viva a Maçonaria viva!
Rui Badaró, V. M. – ARLS Gotthold Ephraim Lessing, nº 930, GLESP.
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