
Competição fraterna ao serviço da luz
A Maçonaria, em toda a sua riqueza e diversidade, oferece uma vasta gama de ritos que, como caminhos de iniciação, guiam os maçons para a iluminação. Entre os mais praticados em França, o Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA), o Rito Francês e o Rito de Emulação distinguem-se pelas suas abordagens, símbolos e filosofias. Neste banco de ensaio, propomos-lhe uma análise comparativa destes três ritos, num espírito de competição fraterna, para melhor compreender as suas especificidades e os seus contributos para a nossa busca espiritual. Quer seja Aprendiz, Companheiro ou Mestre, esta viagem através dos ritos irá encorajá-lo a refletir sobre o seu próprio caminho.
Apresentação dos três ritos : Uma diversidade de iniciações
Antes de mergulharmos na nossa bancada de teste, vamos dar uma vista de olhos a cada rito, destacando as suas origens, estruturas e filosofias.
Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA)
- Origens: Nascido no século XVIII, o REAA tem as suas raízes nas lojas escocesas de França, nomeadamente em Bordéus e Marselha, antes de ser formalizado nos Estados Unidos em 1801 pelo Supremo Conselho de Charleston. Difundiu-se por todo o mundo, tornando-se o rito mais praticado no mundo, nomeadamente em França, no seio da Grande Loja de França (GLDF) e do Supremo Conselho de France.
- Estrutura: O REAA é um sistema de 33 graus, desde Aprendiz (1º grau) até Soberano Grande Inspector Geral (33º grau). Os três primeiros graus (simbólicos) são trabalhados numa Loja Azul, enquanto os graus superiores (4º ao 33º) são geridos por oficinas de perfeição, capítulos, areópagos e consistórios, sob a égide de um Supremo Conselho.
- Filosofia: O REAA é um rito espiritual e universalista, que enfatiza a busca interior, a transcendência e a ligação com o Grande Arquitecto do Universo. É rico em símbolos (águia bicéfala, triângulo luminoso,etc.) e referências esotéricas, nomeadamente nos graus superiores, onde explora temas como a justiça, o cavalheirismo e a perfeição moral.
Rito Francês
- Origens: Também conhecido como o Rito Moderno, o Rito Francês foi codificado em 1786 pelo Grande Oriente de França (GODF), embora as suas raízes remontem às primeiras lojas francesas do século XVIII. É frequentemente associado ao espírito do Iluminismo e a uma visão racionalista da Maçonaria.
- Estrutura: O Rito Francês centra-se nos três graus simbólicos (Aprendiz, Companheiro, Mestre), embora existam graus filosóficos (como o 4º grau, Mestre Perfeito) praticados em oficinas específicas. A sua estrutura é mais simples do que a do REAA, privilegiando a clareza e a acessibilidade.
- Filosofia: O Rito Francês é um rito humanista e progressista, que dá ênfase à liberdade de pensamento, ao secularismo e ao compromisso com a sociedade. Encoraja os maçons a refletir sobre as grandes questões da sociedade (educação, justiça social, direitos humanos) e a agir na comunidade para promover os ideais republicanos.
Rito de Emulação
- Origens: O Rito de Emulação, ou Trabalho de Emulação, é um rito inglês codificado em 1813 pela Grande Loja Unida de Inglaterra (UGLE), no seguimento da reconciliação entre os “Antigos” e os “Modernos”. O seu nome deriva da Emulation Lodge of Improvement, fundada em Londres em 1823 para uniformizar os rituais.
- Estrutura: Tal como o Rito Francês, o Rito da Emulação concentra-se nos três graus simbólicos, mas é conhecido pelos seus rituais altamente formalizados e memorizados, muitas vezes recitados sem notas. Não tem altos graus oficiais, embora alguns maçons ingleses pratiquem o Arco Real como complemento.
- Filosofia: O Rito da Emulação é um rito tradicionalista e deísta, que privilegia a moral, a fraternidade e a perfeição do ritual. Dá ênfase à transmissão oral e à disciplina, com uma abordagem mais conservadora do que o REAA ou o Rito Francês. É frequentemente associado a uma visão apolítica e não dogmática da Maçonaria.
Banco de ensaio: competição entre irmãos
Para comparar estes três ritos, selecionámos cinco critérios:
- simbolismo,
- espiritualidade,
- compromisso social,
- acessibilidade e
- prática ritual.
Cada rito será avaliado num espírito de competição fraterna, não para os colocar uns contra os outros, mas para realçar os seus pontos fortes e especificidades.
Simbolismo
- REAA: O REAA distingue-se pela sua riqueza simbólica. Os seus 33 graus oferecem uma progressão iniciática em que cada grau introduz novos símbolos (a águia de duas cabeças, o triângulo luminoso, a espada flamejante). Os graus mais elevados exploram temas esotéricos complexos, como a Cabala e a cavalaria, tornando-o um rito particularmente popular para os maçons que procuram uma maior profundidade. Classificação: 9/10
- Rito Francês: O Rito Francês é mais sóbrio em termos de simbologia. Concentra-se nos símbolos fundamentais (esquadro, compasso, mosaico) e privilegia a sua interpretação racional. No entanto, pode parecer menos rico para quem procura uma exploração esotérica mais profunda. Classificação: 6/10
- Rito de Emulação: O Rito de Emulação utiliza símbolos clássicos, mas a sua abordagem é mais pragmática, com ênfase no seu significado moral (por exemplo, o quadrado como símbolo de rectidão). É menos esotérico do que o REAA, mas a sua simplicidade simbólica pode ser uma vantagem para os novos maçons. Pontuação: 7/10
Vencedor: O REAA, pela sua profundidade e diversidade simbólica.
Espiritualidade
- REAA: O REAA é profundamente espiritual, com uma forte referência ao Grande Arquiteto do Universo, que pode ser interpretado de forma deística ou simbólica. Os graus elevados exploram conceitos metafísicos, como a transcendência e a perfeição da alma, tornando-o um rito ideal para os maçons elevação espiritual. Classificação: 9/10
- Rito Francês: O Rito Francês é mais secular na sua abordagem. Embora não exclua a espiritualidade, dá maior ênfase à reflexão filosófica e ética, deixando a cada Maçom a liberdade de escolher as suas próprias crenças. Isto pode agradar aos maçons que preferem uma abordagem não dogmática, mas desilude aqueles que procuram uma dimensão mística. Classificação: 5/10
- Rito de Emulação: O Rito de Emulação é deísta, exigindo a crença num Ser Supremo (muitas vezes interpretado como Deus). Oferece uma espiritualidade mais estruturada, centrada na moralidade e na oração, mas menos esotérica do que o REAA. Pontuação: 7/10
Vencedor: O REAA, pela sua profundidade espiritual e flexibilidade de interpretação.
Compromisso social
- REAA: O REAA incentiva o compromisso social, mas é frequentemente mais introspectivo, favorecendo a transformação interior como condição prévia para a acção externa. Obediências como a GLDF, que praticam o REAA, participam, no entanto, em debates sociais, como a defesa do laicismo. Classificação: 7/10
- Rito Francês: O Rito Francês destaca-se nesta área. Herdeiro do Iluminismo, incentiva os maçons a se envolverem na sociedade secular, promovendo valores como a justiça social, a igualdade e o secularismo. O GODF, o principal utilizador deste rito, é conhecido pelas suas posições, como a educação e os direitos humanos. Classificação: 9/10
- Rito de Emulação: O Rito de Emulação adopta uma abordagem apolítica, de acordo com os princípios da UGLE. Centra-se na moralidade individual e na fraternidade, evitando debates sociais para a harmonia na Loja. Isto pode ser visto como uma limitação para os maçons empenhados. Classificação: 4/10 [1]
Vencedor: O Rito Francês, pelo seu empenhamento humanista e social.
Acessibilidade
- REAA: O REAA pode parecer intimidante para os novos maçons devido à sua complexidade e aos seus 33 graus. No entanto, os primeiros três graus são acessíveis e a progressão gradual permite uma compreensão crescente dos símbolos. Classificação: 6/10
- Rito Francês: O Rito Francês é muito acessível, com rituais claros e uma estrutura simples. A sua linguagem directa e o foco nos três graus tornam-no ideal para principiantes ou para aqueles que preferem uma abordagem menos esotérica. Classificação: 8/10
- Rito de Emulação: O Rito de Emulação é acessível na sua estrutura, mas requer uma memorização rigorosa dos rituais, o que pode ser um desafio para os novos maçons. A sua formalidade também pode afastar aqueles que procuram mais espontaneidade. Pontuação: 6/10
Vencedor: O Rito Francês, pela sua simplicidade e clareza.
Prática de rituais
- REAA: Os rituais do REAA são ricos e variados, com uma progressão dramática através dos graus. Incorporam elementos teatrais, em particular nos graus mais elevados, o que torna as execuções animadas e imersivas. No entanto, a sua complexidade pode exigir um investimento significativo. Classificação: 8/10
- Rito Francês: Os rituais do Rito Francês são sóbrios e elegantes, com ênfase na reflexão e no debate. São menos teatrais do que os do REAA, mas a sua simplicidade permite uma grande liberdade de interpretação. Classificação: 7/10
- Rito de Emulação: O Rito de Emulação é conhecido pela beleza e precisão dos seus rituais, que devem ser memorizados e recitados com exatidão. Este rigor confere uma harmonia única às sessões, mas pode ser visto como rígido por alguns maçons. Classificação: 9/10
Vencedor: O Rito de Emulação, pela perfeição e elegância dos seus rituais.
Quadro recapitulativo
Critérios | REAA | Rito Francês | Rito de Emulação |
Simbolismo | 9/10 | 6/10 | 7/10 |
Espiritualidade | 9/10 | 5/10 | 7/10 |
Compromisso social | 7/10 | 9/10 | 4/10 [1] |
Acessibilidade | 6/10 | 8/10 | 6/10 |
Prática de rituais | 8/10 | 7/10 | 9/10 |
Total | 39/50 | 35/50 | 33/50 |
Concurso fraterno: que rito escolher?
Esta referência mostra que cada rito tem as suas próprias forças e especificidades, e que nenhum é intrinsecamente superior aos outros. A escolha de um rito depende sobretudo da sua sensibilidade e das suas aspirações maçónicas:
- Se procura uma busca espiritual profunda e uma riqueza de simbolismo, o REAA é para si. A sua estrutura de 33 graus oferece um percurso iniciático completo, ideal para os maçons que procuram a transcendência e o esoterismo.
- Se é motivado por um compromisso com a sociedade e por uma abordagem humanista, o Rito Francês ser-lhe-á útil. A sua herança iluminista e a sua simplicidade fazem dele um rito acessível e empenhado, perfeito para aqueles que querem fazer a diferença na sociedade.
- Se prefere a tradição, a disciplina e os belos rituais, o Rito de Emulação é uma escolha acertada. O seu rigor e elegância agradam aos maçons ligados a uma prática formalizada e a uma espiritualidade deísta.
Em França, estes três ritos coexistem harmoniosamente no seio de diferentes obediências. O REAA é maioritário na Grande Loja de França e em certas lojas do Grande Oriente de França, o Rito Francês é o rito de referência do Grande Oriente de França, e o Rito de Emulação é praticado pelas lojas filiadas na Grande Loja Nacional Francesa (GLNF), uma obediência ligada à Grande Loja Unida de Inglaterra. Esta diversidade é uma fonte de riqueza, pois permite a cada Maçom encontrar o caminho que melhor lhe convém.
Uma perspetiva contemporânea: os ritos face aos desafios de hoje
Numa altura em que a Maçonaria se deve adaptar aos desafios do século XXI – digitalização, expectativas das novas gerações, desconfiança do público – estes ritos têm um papel a desempenhar. O REAA, com a sua profundidade espiritual, pode responder às aspirações dos maçons que procuram um sentido num mundo materialista, salientou Lionel Obadia em The Conversation (31 de Março de 2025), observando que a IA reactiva as crenças místicas. O Rito Francês, com o seu compromisso para com a sociedade, está bem colocado para dialogar com a sociedade laica, como mostra a abertura da loja “La Flandre” em Bruges após um acto de vandalismo (VRT NWS, 3 de Abril de 2025). Por fim, o rigor do Rito de Emulação pode preservar as tradições e, ao mesmo tempo, atrair aqueles que procuram uma disciplina espiritual.
Uma fraternidade na diversidade
Este banco de ensaio dos ritos REAA, Francês e Emulação ilustra a beleza da Maçonaria: uma diversidade de caminhos que conduzem à mesma luz. Cada um destes ritos, com as suas forças e particularidades, contribui para o edifício maçónico, num espírito de competição fraterna. Tal como o mosaico, que une o branco e o preto em perfeita harmonia, estes ritos recordam-nos que as nossas diferenças são uma fonte de enriquecimento.
Irmãs e irmãos, qualquer que seja o rito que pratiqueis, que ele seja para vós um instrumento de Sabedoria, de Força e de Beleza. Que a vossa busca da luz seja sempre guiada pela fraternidade e pela humildade, para que juntos possamos reunir o que está disperso.
Charles-Albert Delatour
Fonte
Tradução de António Jorge, M∴ M∴
Notas
[1] Quem conhece organizações como a Masonic Charitable Foundation que distribui por ano dezenas de milhões de libras para apoio social, estranhará esta classificação. Contudo, foi a que o autor deu.
- Iniciação: Uma viagem através de ritos, culturas e espiritualidade
- Porque é que o homem precisa de Ritos?
- Breve apresentação dos diversos Ritos Maçónicos
- Ritos franceses tradicionais – novos ritos ou ramos diferentes da mesma árvore?
- Os ritos da masculinidade: A necessidade de ritual do homem